quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

sempre há

um luar.






Enquanto olhava para a lua, esperava um único sinal. O calor tornara a missão de dormir ainda mais difícil, mesmo depois de tantos goles de cerveja. Naquele dia isso pouco importava, ela poderia ficar ali por horas e horas esperando um único sopro de vento. Em vão. Havia a esperança de encontrar na lua uma parceira de conversas e desabafos; ou de silêncios se fosse preciso. E por ali ficou a noite inteira. Aquela frase do Saramago não saia da cabeça, "não nos vemos se não saímos de nós". Era isso? Precisava sair de si para se enxergar? Pois depois de tantas reflexões e emotividades, que costumam crescer durante o período de festas de fim de ano, ela finalmente poderia dizer que tinha se enxergado. Saiu de si por uns instantes - talvez tenham durado alguns meses - e pôde enfim se olhar. E há quanto tempo não se olhava.... Dessa vez a visão era mais profunda, como se começasse a se conhecer de novo. Inevitavelmente fez a retrospectiva daquele ano, cheio de tantas coisas comuns e outras tantas tão marcantes. O início vinha repleto de mergulhos profundos, num misto de ansiedade e novas descobertas, de intensidade e dedicação. Tudo o que queria era viver, mas não sabia exatamente como. Tomou decisões importantes, ainda presa a sua insegurança e medo de errar. E foram muitos os dias em que a comida não descia direito, no qual o sono era a melhor escolha para uma mente cansada. Pouco tempo depois foi enganada pelos próprios sentimentos, acordou sem uma parte de si. Era como se tivessem arrancado sua mão ou os dedos que lhe prendiam a outros braços. Tentou durante muito tempo trazer de volta a parte que lhe faltava, só ela saberia o seu esforço. Há pedaços que são cortados com tesouras grandes, daquelas de jardineiro, que tiram espinhos e podam o galho de uma só vez, diria seu melhor amigo. Ficara pensando se as flores sentem dor, se o líquido que escorre das plantas seria o seu choro, mas depois entendeu o que tantas músicas lhe diriam, tantos poemas lhe sussurravam durante o ano inteiro, principalmente no final dele. Os galhos são cortados, mas as flores voltam a crescer. E que lindas flores. Não poderiam ter nascido mais bonitas. Ela sempre acreditou que nada é por acaso na vida, e sabia agora que de fato tudo tem o seu momento. Ela, que passa e de graça distribui amores de cristais totais. Ela, que tantas vezes engoliu o salgado das lágrimas, agora podia sentir a única brisa daquela noite de calor. Ela, que não mais acredita no pra sempre, mas tem para si que as essências continuam intactas e o começo é sempre hoje. Feliz novo ano para ela. 

domingo, 30 de setembro de 2012

objeto sujeito


você nunca vai saber 
quanto custa uma saudade
o peso agudo no peito
de carregar uma cidade
pelo lado de dentro
como fazer de um verso 
um objeto sujeito
como passar do presente
para o pretérito perfeito
nunca saber direito

você nunca vai saber
o que vem depois de sábado
quem sabe um século
muito mais lindo e mais sábio
quem sabe apenas
mais um domingo

você nunca vai saber
e isso é sabedoria
nada que valha a pena
a passagem pra pasárgada
xanadu ou shangrilá
quem sabe a chave de um poema
e olha lá

P. Leminski

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Sobre a espera


e o tanto às vezes é pouco
e  o pouco já não mais basta
e tudo parece normal
mas a tristeza transforma.
e espera.
e como demora o sol quando se espera por ele


T.O.















quarta-feira, 29 de agosto de 2012

da conversa entre Clarice e Tom Jobim

C : - É que eu sinto que nós chegamos ao limiar de portas que estavam abertas - e por medo ou pelo que não sei, não atravessamos plenamente essas portas. Que no entanto têm nelas já gravado nosso nome. Cada pessoa tem uma porta com seu nome gravado, Tom, e é só através dela que essa pessoa perdida pode entrar e se achar.

T: - Batei e abrir-se-vos-á. 

terça-feira, 28 de agosto de 2012

pra lá


"tem dias que eu
não vejo o azul do céu.
mas sei que ele está lá"
- disse-me o passarinho,
durante um sonho.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

exagerado

e Cazuza dizia: tenho amor incondicional pelas pessoas que entram em minha vida e sinceramente, não sei o quanto isso é bom nos dias atuais. talvez esse seja o meu pior defeito. 


quarta-feira, 8 de agosto de 2012

manual de instruções

"A tarefa de amolecer diariamente o tijolo, a tarefa de abrir caminho na massa pegajosa que se proclama mundo, esbarrar cada manhã com o paralelepípedo de nome repugnante, com a satisfação canina de que tudo esteja em seu lugar, a mesma mulher ao lado, os mesmos sapatos e o mesmo sabor da mesma pasta de dentes, a mesma tristeza(...). E não é mau que as coisas nos encontrem outra vez todo dia e sejam as mesmas. Que a nosso lado esteja a mesma mulher, o mesmo relógio e que o romance aberto em cima da mesa comece a andar outra vez na bicicleta de nossos óculos, por que haveria de ser mau? Mas como um touro triste é preciso baixar a cabeça, do centro do tijolo de cristal empurrar para fora, em direção ao outro tão perto de nós, inacessível como o toureiro tão perto do touro. Castigar os olhos fitando isso que anda no céu e aceita astuciosamente seu nome de nuvem, sua resposta catalogada na memória. Não pense que o telefone vai lhe dar os números que procura. Por que haveria de dá-los? Virá somente o que você tem preparado e resolvido, o triste reflexo de sua esperança, esse macaco que se coça em cima de uma mesa e treme de frio. Quebre a cabeça desse macaco, corra do centro em direção à parede e abra caminho. (...) E se de repente uma traça para pertinho de um lápis e palpita como um fogo cinzento, olhe-a, eu a estou olhando, estou apalpando seu coração pequenino, e ouço-a: essa traça ressoa na pasta de cristal congelado, nem tudo está perdido". 

Julio Cortázar

terça-feira, 24 de julho de 2012

verdade


e se o caminho é se acostumar
melhor atrever-se
atrevo-me a não mentir 
por mais mentira que isso seja

minto se digo que não tento
se digo que não sinto
minto

se ouso dizer
que teu perfume
não mora em meu pulmão
e que não falta pro meu corpo
um entrelaçar de braços

não minto, entretanto,
pro meu pensamento.
juntos sabemos 
qual é a verdade


T.O.

domingo, 15 de julho de 2012

aquela mulher

Conversávamos ainda hoje, isso tudo é um ciclo. Essa história de sentir angústia, mas não querer que ela esteja presente e ao mesmo tempo desejar sentir a dor do outro por não querer vê-lo sofrer. Isso acontece conosco. Dizem - e você é uma dessas pessoas - que os jovens de hoje são muito ansiosos e preocupados com o que ainda nem aconteceu. Sabes o quanto eu já sofri por ser o exemplo clássico de um desses jovens, o quanto já descontei em você todos os meus medos e inseguranças. Não peço desculpas, pois sei que não aceitaria, dirás que você está aqui pra isso; e eu sempre soube. Abri o olho, naquele fim de novembro e eu já sabia. Por mais que eu não me recorde, sei que estava feliz por estar em teu colo. Aquele mesmo colo que durante algum tempo da minha infância eu chorei por não querer desprender-me. Você sabe, ainda hoje, quantas vezes desejo esse colo, talvez porque tenha ficado um resquício do cordão umbilical. Não pense, porém, que sou frágil. Se quer saber, herdei de você a mais profunda vontade de viver e de ser forte. Herdei, se posso assim considerar, a vontade de amar as pessoas e demonstrar isso a elas. Herdei um prazer em me dedicar às coisas que me fazem feliz e mostrar que cada gesto faz sim diferença. Herdei também esse sentimentalismo exacerbado e a canela fina, mas isso a gente deixa pra outra ocasião. Dizer que te amo muito é pouco, se essa tela fosse um papel, talvez estivesse encharcada. Isso significa que herdei também a sua sensibilidade, ou se preferir, manteigaderretidisse. Até que não estou mal, quem sabe quando chegar na sua idade não consigo ser um milésimo do que você é.   






para Mayra Ozzetti. 

segunda-feira, 28 de maio de 2012

sem título


Não se assuste com a frieza das minhas mãos
você sempre soube que a única parte quente do meu corpo
é aquela que bate constantemente do lado esquerdo do meu peito. 
não esqueças que estamos quase no inverno
mas não, eu não quero que me esquente.
o frio chega aos poucos e também aos poucos se infiltra pelos poros
que ainda estão presos naquela outra pele
e como se quisesse congelar o que ainda está protegido pelo calor do sangue
traz silêncios, descobertas, enganos e saudades.
ei, você não pode fazer nada por mim
eu preciso me cobrir de verdadeiros sentimentos. 
hoje eu desejei o deserto 
mas sei que não preciso esperar o verão,
tão logo o sol aparece e aquece todo o resto.

domingo, 13 de maio de 2012

E se

Se me finjo
É porque te quero

Se te quero
É porque me sinto
Se te sinto
É no pensamento
Se te penso
É porque não nego
Se te nego
É pelo medo
Se me digo
É porque percebo
Se te choro
É porque calo
Se me calo
É porque fujo
Se te fujo
É pra me encontrar


T.O.

sábado, 31 de março de 2012

embriaguez sonora

Lá fora o som dos acordes chega como sopro calmo a meus ouvidos. a melodia navega tranquilamente diante de um mar agitado. cada gole de vinho é um coração que descansa, respira e dança. náuseas, tonturas, vertigens.
a viagem é longa 
(já não importa)
tem música
e bebida suficiente


T.O.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

zabumba dentro do peito

"Você parece ter um bom coração". Essa foi a frase que eu ouvi do conhecido rosto daquele cobrador. Era plena quinta-feira pela manhã e eu entrava - estabanada como sempre- naquele ônibus tentando equilibrar-me enquanto procurava o bilhete único que mais uma vez havia sido abduzido e levado para o reino das mochilas bagunçadas. Não sei se aquele moço achou engraçado meu jeito descoordenado de ser, o meu desespero momentâneo procurando o cartão ou os tantas outras canhotices que me fazem ser motivo de piada entre os amigos. Mas isso, de qualquer forma, não justifica em nada o meu "bom coração". Na hora, admito, não disse nada. Dei aquele sorrisinho tímido enquanto olhava de canto do olho um senhor rir daquela situação como se dissesse para si mesmo: "xi, olha lá, ela tem um bom coração, coitada. e as pessoas já estão até percebendo...". Sentei longe do campo de visão de ambos, questionando-me porque raios o homem que eu pouquissimo tinha visto na vida havia me dito aquilo.Talvez porque eu tivesse cedido o lugar para algum idoso ou dado bom dia para o motorista, mas, sinceramente, nem isso eu me lembro de ter feito. E mesmo se  fosse, ora, muitas pessoas fazem isso por dia e nem todas tem um bom coração- como o meu? risos. Imaginei que talvez fosse uma cantada do moço, mas depois daquele momento eu só consegui pensar que estava exalando carência, que dali a alguns segundos alguem viria me abraçar e dizer que é legal ter um bom coração e que ser carente também não é de todo mal. E então outro diria para eu não sofrer por ser assim como eu sou, por amar demais, por querer mostrar isso para pessoas, porque sempre teria alguém que reconheceria esses valores, nem que fosse, seila, um cobrador de ônibus. Claro que não deixei de imaginar também todos ali me olhando como se eu fosse um alienígena amante em meio a uma sociedade sem coração, mas acabei dormindo com meus pensamentos e aceitando o fardo mesmo sem saber o que isso significaria. Acordei assustada exatamente no local em que iria descer e quando pensei que era tarde e  teria que voltar a pé um quarteirão no sol do meio-dia, o ônibus magicamente parou sem que ninguém tivesse dado o sinal . Olhei para o motorista pelo espelho acima da porta traseira e dei um sorriso de agradecimento. Ele contribuiu com uma piscada e certamente pensou: "não se engane, isso sim é ter um bom coração". 

domingo, 8 de janeiro de 2012

fire to the rain

Olhou para o alto almejando que cada gota daquela chuva pudesse lavar-lhe a alma. Esperou cada pingo acariciar lentamente o seu rosto, ainda que naquele momento fosse incapaz de distinguir o que era chuva, choro ou resquícios salgados de um mergulho no mar. Se deixassem, ficaria ali: pulando, correndo, gritando. Ou dançando como se aquela fosse a última música que passaria por seus ouvidos. Já não sabia como mostrar tudo o que gritava em seu coração e os pensamentos que não lhe fugiam da cabeça um minuto sequer. No entanto, voava um voo tão alto que demoraria a pousar. Aqueles dias puderam despertar ainda mais vontade de viver, sentir e deixar-se levar. Mergulhou, como numa tentativa inútil de esconder o que lhe parecia tão óbvio mas custava enxergar. Contou até dez, e, enquanto as ondas encharcavam o seu vestido já transparente, implorava para que o medo pudesse deixá-la de lado nem que fosse por instantes. Quando, enfim, olhou para o céu, pediu para que tudo iniciasse de maneira diferente. Há quatro segundos para o início do fim e de um (re)começo, deixou seus olhos procurarem por fatais abraços molhados. Foram minutos de explosão. Milhares de luzes mostraram que tudo realmente poderia mudar e, sim, seria possível deixar-se sentir. Reprimiu momentaneamente uma vontade de abraçar o mundo, que naquele instante tinha nome próprio, mas ainda assim estava feliz. percebeu que esse seria um novo ano novo.