há dias que a cabeça dá
tilte, o olho arde e o nó aparece na garganta. às vezes vem de brinde o triste sentimento
de frustração, como se, ao olhar no espelho, fosse sair uma mão que lhe desse
pequenos socos e não hesitasse em dizer: “olha aí, o que você fez”. ou o que não fez, o que me parece pior. há dias que o martelo
acerta o dedo, o mindinho do pé encontra repetidas vezes a quina da cama e a taça
de vinho cai na roupa branca. coisas evitáveis? talvez, não fosse uma possível tendência ao
desajeitamento. de qualquer forma, nessas ocasiões a raiva e dor aparecem quase
como um passarinho do relógio de cuco, apenas para dar um olá; e sabemos, não
são elas que incomodam - ainda que venham salgar um pouco mais o dia. o que dói
mesmo é sentir que nada naquele momento vai dar certo, talvez porque falte
criatividade, falte organização, falte principalmente ação, sobre confusão. sentir
que nenhuma palavra dita por alguém vai mudar o percurso daquele dia, sentir
que as ideias são inofensivas, ficam de molho durante dias, semanas, talvez meses,
e quem sabe quanto tempo continuarão por ali. eu tenho pena das ideias
inofensivas, essas que cozinham numa panela de pressão sem vapor, porque elas
não vão botar medo em ninguém e podem envelhecer, nunca cozer nem sequer sair pra
dizer que passaram do ponto. ideias inofensivas ficam guardadas, mas não conversam,
não aparecem pro mundo, e quando tentam aparecer, às vezes já foram descobertas
por outras pessoas – e, livres, não são mais inofensivas. chegam, acontecem,
apavoram. há dias que vem a frustração de perceber que esqueci as ideias na
panela, tentando cozinhar, enquanto outros já serviram o prato. então a cabeça
dá tilte, o olho arde e o nó aparece na garganta.
T.O.
T.O.