terça-feira, 27 de setembro de 2011

maiêutica do (não) saber

- Por que você é assim?

- Assim como?

- Parece que está sempre animada

- É o que parece?

- Sim, você sempre mostra estar feliz

- Isso é ruim?

- Claro que é, ninguém é feliz sempre

- E quem disse que eu sou?

- Você se faz assim. Se não é, pior ainda

- Será?

- Você não pode responder uma pergunta sem fazer outra?

- Se é o que você quer...

- E dá pra parar de tentar me deixar animada? Eu não sou assim, nunca fui

- Nunca, é?

- Você gosta de mim?

- Se gosto? Amo

- Então por que não deixa eu ser como sou?

- E como você é?

- Desse jeito que você e eu sabemos muito bem

- Sabemos?

- Dá pra parar com isso?

- Com isso o que?

- Com essa coisa chata de responder com perguntas

- Parei.

- Eu sei que sou chata, às vezes. Mas sou assim, não tem o que fazer, se conforme

- É, de fato...

- De fato o que? Vai se conformar?

- Não, você é chata, às vezes.

- Então por que não desiste e para de falar comigo?

- Porque sou assim.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

samba a dois

Sempre sambei em vão. 
Naquele dia, porém, notei que algo estava fora do normal. Justo eu que sempre  acreditei estar de bem com a minha liberdade, acomodada na confusão constante do meu pensar. Ora, as palpitações sempre foram perturbadoras, daquela vez, no entanto, as percebi de outra maneira. Não que não assustassem, ainda mais a alguém que tanto medo tem de tudo. Mas por um momento assumi que seria possível sentir- e sem pensar me entreguei.
Tolos são os que querem definir o amor. Admito que por meses fiz parte desse grupo, e por vezes ainda faço. Quis transformá-lo, criá-lo, extinguí-lo sem perceber que crescia naturalmente. E mais, vivia - não apenas na saudade ou nas palavras tocantes.
A cada toque uma descoberta. A cada respiração unida um coração novo.
Nascia um prazer no abraço e do abraço um estopim. Da pele que beijava pele, o suor. Das juras, o gozo. Nascia uma saudade que parecia querer parar qualquer tempo e qualquer hora para apenas aquele entrelaçar de braços.
Aparecia um ouvido. Entre lamentações e alegrias, estava sempre ali. Como se fingisse não saber da loucura que seria entender as inquietações de alguém tão incompreensível. 
Sempre ali. Como se soubesse que existia uma alma precisando dele diante de tempos tão confusos. Foram críticas, discordâncias, eu quis mostrar que poderia criar alguém a meu grado. Ah, bobagem. Não arquitetei os carinhos, os beijos.
E foram tantas coreografias, suados treinos diários que hoje eu danço. Erro os passos, tropeço, mas não sambo mais em vão. Certamente desconheço o que sinto e quem sou, mas sei da existência de alguém que me ajuda diariamente nessas descobertas.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

sem receita

Primeiro lenta e precisamente
Arranca-se a pele
Esse limite da matéria
Mas a das asas, melhor deixar
Pois se agarra à carne
Como se ainda fossem voar
As cochas soltas
Soltas e firmes
Devem ser abertas
E abertas vão estar
E o peito nu
Com sua carne branca
Nem lembrar
A proximidade do coração
Esse não!
Quem pode saber
Como se tempera o coração



Limpa-se as vísceras
Reserva-se os miúdos
Pra acompanhar
Escolhe-se as ervas, espalha-se o sal
Acende-se o fogo, marca-se o tempo
E por fim de recheio
A inocente maçã
Que tão doce me deleita
Nos tirou do paraíso
E nos fez assim sem receita

quinta-feira, 8 de setembro de 2011