domingo, 23 de novembro de 2014


Eram trinta pessoas na fila, trinta e uma contando eu. Vinte e quatro (eu contei!) olhando para baixo e movendo os dedos rapidamente. Fico pensando se as poucas que olhavam normalmente para outros cantos, estavam, assim como eu, sem bateria no celular. Talvez essas pessoas estivessem, assim como eu, procurando a primeira tomada para poder ressuscitar por um minuto o aparelho. Vai saber. "Depois você reclama que não tem tempo pra fazer tuas coisas", pensei. Tirei um bloquinho da bolsa, pedi uma caneta emprestada e comecei a escrever - assim, à mão mesmo - como costumo fazer sempre que há um tempinho, ou melhor, sempre que o tempinho não é consumido por esse cara chato e grudento, que atualmente tem sido um companheiro presente e fiel. E que tem ciúmes daquilo que às vezes costumamos chamar de liberdade

terça-feira, 21 de outubro de 2014

vem.



vem ser comigo
um tanto
do muito
que há de ver
e de vir


vem ser o medo
transformado em calmaria
vem sim
ver em mim
verdade

vem ser a chuva
que limpa o ar
e rega o peito
e inspira o sol
vem ter aqui
inspiração

vem ter clareza
no caminho do sim
ver o vento
virar sopro
e o ar que limpa
vir de dentro

vem ser comigo
a certeza que basta
a prova que resta 
nessa nossa Bossa
para que juntas
a gente possa, enfim
vencer  


T.O.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014



tantos tentam ser
o que nem
todos são
tudo pra poder
carregar no coração
todo sol


T.O.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

pra lembrar


pra lembrar
de não esquecer
que quando penso
no bem que isso me traz
é paz
e mais
é ar que entra e refaz

pensamento sabe bem
que nem precisa ir atrás
porque há quem diz
se é além 
sentimento quando sai
vem em lágrima
de feliz.



T.O.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

e essa gente
meio chata
encaixota
porque acha

que frasco
sem rótulo
é fiasco

T.O.

quinta-feira, 3 de julho de 2014



Alô, marciano. Pode entrar, só não repara a bagunça. Sabe como é, Copa do Mundo, o país fica assim meio confuso. Dá pra ver ai de cima? É bonito, né? Pode admitir, o futebol é mesmo algo espetacular, nem pense em negar. Acho que para vocês é difícil entender esse negócio todo, mas pra tentar explicar, imagina que durante 90 minutos todos os problemas são esquecidos e só conseguimos torcer para que uma bola entre em um gol. Sei que parece estranho, mas é isso mesmo. E olha, não se assuste, a cidade pára mesmo. Pessoal sai mais cedo do trabalho para conseguir assistir ao jogo e tudo vira caos. Mas ai durante o jogo as ruas ficam vazias, acredite se quiser. Essa tal Copa mexe mesmo com o povo daqui. Pois não é que tem gente quase chorando porque o campeonato já está quase no fim? Brasileiro é mesmo muito emotivo. Tem jogador deixando cair lágrima já no hino nacional, outro chorando antes mesmo de bater o pênalti. Acho que esse troço de Copa está deixando o pessoal meio doido. Ontem ouvi um senhor dizendo que venderia a sua televisão nova por um ingresso do jogo. Depois encontrei uma menina de uns cinco anos de idade que falava para a mãe sobre sua ansiedade. “Acho que não vou conseguir dormir essa noite, mamãe”. Tem gente perdendo dinheiro nos bolões. Aquelas apostas nos resultados de jogos, sabe? A maioria está errando. Eu mesma achei que Argentina fosse golear a Suiça, errei feio. E os jornalistas? Só falam disso. Liga a televisão de manhã é o Neymar. Liga de tarde é o Scolari, de noite o choro do Thiago Silva. Parece até que não há mais problema de falta de água em São Paulo, violência policial em manifestações e todas aquelas coisas que vocês devem observar por aí. Dois dias sem jogos e a galera está em abstinência. Olhando daí deve ser doido mesmo, sinto que o povo brasileiro é meio bipolar. Você deve ter percebido, até mês passado um monte de gente criticava tudo, dizendo que tinha vergonha e coisa e tal. Agora pessoal canta que é brasileiro com muito orgulho, com muito amor. Tá tendo Copa, marciano. E não se assuste se você daqui a pouco ouvir por aí um “Salvem as empreiteiras!” ou “Dilma, eu te amo”. 

segunda-feira, 9 de junho de 2014



Ele acordou irritado. Ouviu no rádio que São Paulo já amanhecia com significativos quilômetros de congestionamento. Xingou os metroviários por causa da greve, resmungou alguns palavrões sobre a situação deplorável em que a cidade se encontra, sobre a maldita Dilma e esses petistas. Tomou seu café, desceu para a garagem, entrou em seu carro, ligou o ar condicionado e hashtag partiu trabalho. No caminho, mais revolta com a tal greve que não cansa de atrapalhar vida dos cidadãos paulistanos, o direito de ir e vir e destrói os espaços públicos. Ele estava cansado da correria da cidade, reclamava da corrupção e só queria chegar em casa de novo, afinal, tinha esse direito após longas horas de trabalho. Pensava no final de semana quando fugiria para seu sítio no interior e tomaria uns drinques reclamando mais um pouco da política e dos vândalos que transformam a cidade em caos. Do povo brasileiro que não sabe se organizar nem para protestar, da vergonha de mostrar essa confusão para o mundo todo durante a Copa. Não percebia, no entanto, que aqueles tais grevistas malditos que não tinham o que fazer queriam exatamente chamar a atenção para o fato de que têm um papel muito importante dentro da dinâmica da cidade. Mas era muito mais fácil olhar para o próprio umbigo, culpar a população que não sabe se organizar e dizer que só quer trabalhar e seguir sua vida normalmente, porque o tempo não para, muito menos a quantidade de seus afazeres. Talvez fosse justamente esse o seu erro, botar a culpa nos outros, fechar-se para um mundo que parece muito distante, mas é o mesmo e está ali, basta olhar para o lado. A mesma cidade, a mesma rua, os mesmos espaços públicos, a mesma população. Mas ele, dentro do casulo, argumentava que não poderia simplesmente andar pelas ruas porque, além do transporte ser ruim, era tudo deveras violento. Então trabalhava muito para conseguir comprar um apartamento em um prédio que tivesse tudo, de cabeleireiro a restaurante, assim não precisaria se submeter a esses momentos de caos. Enquanto isso, as ruas ficavam mais vazias, e as janelas cada vez mais fechadas para a realidade.

terça-feira, 15 de abril de 2014

somos nós


enquanto
ainda não sai o canto
que espera uma voz lá do fundo
um grito profano pro mundo

há um tanto de fala guardada
num canto de lá de dentro
porque o coração também gagueja

há nós que já foram desfeitos
outros tantos que temos nós,
que tememos

mas quando estamos a sós
vem a voz e o canto, o pranto
do eu que nós somos



T.O.



segunda-feira, 24 de março de 2014

meu tempo é quando



Quando o corpo fala, as perguntas se transformam em respostas extensas e cada gesto aparece como uma afirmação do que muitas vezes não é possível ser externalizado. quando a voz cala, pode-se entender os pequenos sons, como o da respiração intensa, enquanto os pelos do braço se recompõem. quando os olhos sorriem, os minutos se alongam e cada pedaço de silêncio traz a calma desejada. esses mesmos olhos que são capazes de aparecer repetidamente durante uma noite de son(h)o. quando o sorriso se alarga, já não se faz necessário entender - e todo aquele receio que habita a mente se transforma em vontade. ou saudade. 

T.O.





distância diz tanto
coração fica oco
e pouco é pranto

T.O.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014


há dias que a cabeça dá tilte, o olho arde e o nó aparece na garganta. às vezes vem de brinde o triste sentimento de frustração, como se, ao olhar no espelho, fosse sair uma mão que lhe desse pequenos socos e não hesitasse em dizer: “olha aí, o que você fez”.  ou o que não fez, o  que me parece pior. há dias que o martelo acerta o dedo, o mindinho do pé encontra repetidas vezes a quina da cama e a taça de vinho cai na roupa branca. coisas evitáveis?  talvez, não fosse uma possível tendência ao desajeitamento. de qualquer forma, nessas ocasiões a raiva e dor aparecem quase como um passarinho do relógio de cuco, apenas para dar um olá; e sabemos, não são elas que incomodam - ainda que venham salgar um pouco mais o dia. o que dói mesmo é sentir que nada naquele momento vai dar certo, talvez porque falte criatividade, falte organização, falte principalmente ação, sobre confusão. sentir que nenhuma palavra dita por alguém vai mudar o percurso daquele dia, sentir que as ideias são inofensivas, ficam de molho durante dias, semanas, talvez meses, e quem sabe quanto tempo continuarão por ali. eu tenho pena das ideias inofensivas, essas que cozinham numa panela de pressão sem vapor, porque elas não vão botar medo em ninguém e podem envelhecer, nunca cozer nem sequer sair pra dizer que passaram do ponto. ideias inofensivas ficam guardadas, mas não conversam, não aparecem pro mundo, e quando tentam aparecer, às vezes já foram descobertas por outras pessoas – e, livres, não são mais inofensivas. chegam, acontecem, apavoram. há dias que vem a frustração de perceber que esqueci as ideias na panela, tentando cozinhar, enquanto outros já serviram o prato. então a cabeça dá tilte, o olho arde e o nó aparece na garganta.


T.O.