segunda-feira, 9 de junho de 2014



Ele acordou irritado. Ouviu no rádio que São Paulo já amanhecia com significativos quilômetros de congestionamento. Xingou os metroviários por causa da greve, resmungou alguns palavrões sobre a situação deplorável em que a cidade se encontra, sobre a maldita Dilma e esses petistas. Tomou seu café, desceu para a garagem, entrou em seu carro, ligou o ar condicionado e hashtag partiu trabalho. No caminho, mais revolta com a tal greve que não cansa de atrapalhar vida dos cidadãos paulistanos, o direito de ir e vir e destrói os espaços públicos. Ele estava cansado da correria da cidade, reclamava da corrupção e só queria chegar em casa de novo, afinal, tinha esse direito após longas horas de trabalho. Pensava no final de semana quando fugiria para seu sítio no interior e tomaria uns drinques reclamando mais um pouco da política e dos vândalos que transformam a cidade em caos. Do povo brasileiro que não sabe se organizar nem para protestar, da vergonha de mostrar essa confusão para o mundo todo durante a Copa. Não percebia, no entanto, que aqueles tais grevistas malditos que não tinham o que fazer queriam exatamente chamar a atenção para o fato de que têm um papel muito importante dentro da dinâmica da cidade. Mas era muito mais fácil olhar para o próprio umbigo, culpar a população que não sabe se organizar e dizer que só quer trabalhar e seguir sua vida normalmente, porque o tempo não para, muito menos a quantidade de seus afazeres. Talvez fosse justamente esse o seu erro, botar a culpa nos outros, fechar-se para um mundo que parece muito distante, mas é o mesmo e está ali, basta olhar para o lado. A mesma cidade, a mesma rua, os mesmos espaços públicos, a mesma população. Mas ele, dentro do casulo, argumentava que não poderia simplesmente andar pelas ruas porque, além do transporte ser ruim, era tudo deveras violento. Então trabalhava muito para conseguir comprar um apartamento em um prédio que tivesse tudo, de cabeleireiro a restaurante, assim não precisaria se submeter a esses momentos de caos. Enquanto isso, as ruas ficavam mais vazias, e as janelas cada vez mais fechadas para a realidade.