segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

zabumba dentro do peito

"Você parece ter um bom coração". Essa foi a frase que eu ouvi do conhecido rosto daquele cobrador. Era plena quinta-feira pela manhã e eu entrava - estabanada como sempre- naquele ônibus tentando equilibrar-me enquanto procurava o bilhete único que mais uma vez havia sido abduzido e levado para o reino das mochilas bagunçadas. Não sei se aquele moço achou engraçado meu jeito descoordenado de ser, o meu desespero momentâneo procurando o cartão ou os tantas outras canhotices que me fazem ser motivo de piada entre os amigos. Mas isso, de qualquer forma, não justifica em nada o meu "bom coração". Na hora, admito, não disse nada. Dei aquele sorrisinho tímido enquanto olhava de canto do olho um senhor rir daquela situação como se dissesse para si mesmo: "xi, olha lá, ela tem um bom coração, coitada. e as pessoas já estão até percebendo...". Sentei longe do campo de visão de ambos, questionando-me porque raios o homem que eu pouquissimo tinha visto na vida havia me dito aquilo.Talvez porque eu tivesse cedido o lugar para algum idoso ou dado bom dia para o motorista, mas, sinceramente, nem isso eu me lembro de ter feito. E mesmo se  fosse, ora, muitas pessoas fazem isso por dia e nem todas tem um bom coração- como o meu? risos. Imaginei que talvez fosse uma cantada do moço, mas depois daquele momento eu só consegui pensar que estava exalando carência, que dali a alguns segundos alguem viria me abraçar e dizer que é legal ter um bom coração e que ser carente também não é de todo mal. E então outro diria para eu não sofrer por ser assim como eu sou, por amar demais, por querer mostrar isso para pessoas, porque sempre teria alguém que reconheceria esses valores, nem que fosse, seila, um cobrador de ônibus. Claro que não deixei de imaginar também todos ali me olhando como se eu fosse um alienígena amante em meio a uma sociedade sem coração, mas acabei dormindo com meus pensamentos e aceitando o fardo mesmo sem saber o que isso significaria. Acordei assustada exatamente no local em que iria descer e quando pensei que era tarde e  teria que voltar a pé um quarteirão no sol do meio-dia, o ônibus magicamente parou sem que ninguém tivesse dado o sinal . Olhei para o motorista pelo espelho acima da porta traseira e dei um sorriso de agradecimento. Ele contribuiu com uma piscada e certamente pensou: "não se engane, isso sim é ter um bom coração".